O sono das pessoas com deficiência visualDe acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, 24,6 milhões de pessoas possuem alguma deficiência, desse total, 80% são cegas ou possuem baixa visão. A estimativa para 2020 é que existirão no mundo 75 milhões de pessoas com deficiência visual e mais de 225 milhões de portadores de baixa visão. Mas, por que estamos falando sobre cegueira? O que a deficiência visual tem a ver com o sono? O sono de um indivíduo que não enxerga é diferente?

“Os sujeitos cegos apresentam uma incapacidade de iniciar o sono no horário desejado, pois a deficiência de percepção de luz provoca um progressivo atraso no horário do início do sono. Se um cego sente sono às 22h, no dia seguinte sentirá sono somente às 23h e, três dias depois, a sua capacidade para iniciar o sono só vai aparecer às duas horas da manhã”, afirma Dr. John Fontenele Araujo, médico e professor titular de Cronobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Segundo o especialista, o problema se agrava quando o início do sono ocorre muito tarde, mas a pessoa cega acorda cedo (para o trabalho ou estudo), e por acordar cedo, interrompe o sono, o que irá influenciar o seu descanso noturno, que não ocorrerá de forma adequada. Já o indivíduo cego que não trabalha ou estuda, em alguns momentos, permanece com o ciclo sono-vigília invertido, passa a dormir durante o dia e, muitas vezes, o ambiente que ele escolhe para dormir não é o adequado, podendo ter muito barulho, ser quente etc. Nessas condições, o sono não será reparador e a pessoa não terá um descanso adequado.

Dr. John explica que o principal distúrbio de sono dos deficientes visuais está dentro do grupo dos distúrbios classificados como ‘Distúrbios do Sono Relacionados à Ritmicidade Circadiana’ e, dentro desse conjunto está a Síndrome do Ciclo Sono-Vigília em Livre Curso*. “Essa síndrome se caracteriza pelo padrão do ritmo de sono não ajustado ao dia e à noite, mas com um ciclo de sono com um período maior que 24 horas, o que causa um progressivo atraso no início do sono diariamente e, dessa maneira, o indivíduo vai dormir e acordar todos os dias um pouco mais tarde. Isso ocorre, pois as pessoas cegas são incapazes de detectarem a presença e a ausência da luz, não sincronizando o seu ciclo de sono-vigília com o dia e a noite. Por essa incapacidade de ajustar os seus ritmos circadianos como o claro e o escuro, os diversos ritmos biológicos de um cego, incluindo o ciclo sono-vigília, ocorrerá sob o comando apenas das estruturas neurais conhecidas como ‘relógio biológico’ e que no caso dos seres humanos, expressa um ritmo circadiano com um período maior que 24 horas. Como o ritmo é ‘puramente’ endógeno, nós chamamos de Livre Curso, daí o nome da síndrome”, esclarece o médico que salienta que esse fenômeno também pode ocorrer em condições experimentais, por exemplo, quando a pessoa passa muito tempo dentro de um ambiente fechado e sem informações de tempo.

Para o professor, o ciclo de sono-vigília em livre curso é um problema para o cego que, em alguns momentos, terá seu sono durante o dia e sua vigília a noite. “Temos um número significativo de cegos no Brasil e podemos perceber a importância dos problemas de sono nessa parcela da população. Infelizmente, no país é proibido produzir e vender melatonina - só importando, o que eleva o custo - e o deficiente visual é privado de um tratamento eficiente e seguro. É preciso, urgentemente, que a Medicina do Sono no Brasil faça um movimento para mudar essa realidade e permitir o acesso à melatonina aos cegos”, destaca.

De acordo com Dr. John, a Medicina do Sono auxilia as pessoas que não enxergam a dormirem melhor de duas formas: por meio de orientações comportamentais e com medicamentos. “É importante orientar os pacientes cegos a terem suas refeições em horários regulares. A atividade física também é importante. Realizar exercícios físicos em horários regulares contribui para ajustar o ciclo sono-vigília para um ritmo de 24 horas. Em relação aos medicamentos, o melhor e mais eficiente é a melatonina. Os pacientes cegos devem fazer uso dela uma hora antes do horário em que desejam iniciar o sono”, finaliza.


Fonte : Associação Brasileira do Sono - ABS